quinta-feira, 25 de junho de 2009

No País das Guildas

por Janer Cristaldo
Os corporativistas são aguerridos. Enquanto o ministro Gilmar Mendes afirma que não existe possibilidade de o Congresso Nacional reverter a decisão do STF que determinou o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) já conseguiu coletar quarenta assinaturas de apoio à apresentação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que exige diploma de curso superior de Comunicação Social para o exercício da profissão de jornalista.
Segundo a proposta, o exercício da profissão será privativo de portador de diploma de curso superior de Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, expedido por curso reconhecido pelo Ministério da Educação. Ou seja, o senador quer reconstituir exatamente o que a suprema instância jurídica do país acaba de derrubar. Pelo jeito, o senador ainda não descobriu que em Estado constituído existe uma última instância. Ou as leis seriam cambiantes como as nuvens que passam. Que nem malmequer. Hoje pode, amanhã não pode, depois de amanhã pode e dia seguinte não pode mais.
Gilmar Mendes disse acreditar que a decisão vai repercutir em outras profissões, mas não quis citar quais. Seria em boa hora. Já existem na Câmara projetos propondo a regulamentação de 169 profissões, entre elas a de pedólogo, cozinheiro, manicure, astrólogo, técnico de futebol, repentista. Se entre os 169 projetos estão “profissões” como a de astrólogo ou repentista, você pode ter uma pálida ideia do que pretendem regulamentar os outros 167 projetos. Mais um pouco e os senhores legisladores tentarão regulamentar as profissões de prostituta ou travesti. Se o contribuinte já paga silicone, hormônios e cirurgias para estes últimos, não espanta que dentro de pouco se exija diploma para o exercício do ofício.
Se um dia perder a capacidade de indignar-me — dizia Gide — é porque estou ficando velho. No que a mim diz respeito, confesso que ainda não decidi o que me indigna mais nestas minhas seis décadas de existência: se pagar silicone para travestis ou se ver universitários fazendo passeatas para defender privilégios corporativistas. Estes jovens — dos quais seria de se esperar atitudes generosas e nenhum compromisso com a corrupção — em verdade estão assumindo a mesma atitude senil dos políticos esclerosados do Planalto, que consideram um ataque às instituições democráticas a denúncia de suas corrupções. Nunca antes neste país, como costuma dizer o Analfabeto-Mor, os jovens foram tão senis.
O Brasil não é só o país das regulamentações, mas também o das profissões exóticas. Não sei se o leitor sabe, mas até aquele pobre diabo que aperta botões em um elevador tem a profissão regulamentada no Brasil. Como se você fosse incapaz de apertar o botão do andar para onde você vai. Ainda na semana passada, representantes do Sindicato dos Cabineiros de Elevador — este é o pomposo nome do ofício — do Município do Rio de Janeiro participaram de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio para cobrar o cumprimento das leis municipal e estadual que exigem a presença de ascensoristas nos elevadores de prédios comerciais e mistos.
Cuidado ao apertar o botão de um elevador, leitor. Você ainda acabará incurso em exercício ilegal da profissão. E se tiver algum pendor para o repente, cuidado ao sair improvisando versinhos por aí. Esta atividade só poderá ser exercida por repentistas diplomados.
Ontem ainda, um leitor me informava que se pretende regulamentar a profissão de escritor. Sei disso, escrevi sobre o assunto há bons sete anos. Pretende-se também regulamentar a profissão de tradutor.
Tradutor não seria quem domina idiomas e traduz, mas quem cursou o curso de tradutor. Mais um pouco e nem pai-de-santo pode ganhar a vida com suas vigarices se não tiver curso superior.

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