segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Balanço do Forum Social Mundial

por Josué Costa
Afinal, qual o perfil do novo mundo que o Fórum Social Mundial (FSM) 2009 acha possível construir? As respostas dos seus participantes não são uníssonas. Os dois territórios do evento mostram um abismo entre o que se diz e o que se faz. O clamor por uma sociedade mais justa que vem das tendas parece conviver de mãos dadas com cenas de ilegalidade, consumo de drogas e exploração do trabalho infantil, entre outras mazelas distantes do propósito do evento, mas que se tornaram corriqueiras no cotidiano dele.
'Não acredito que outro mundo é possível com essa dispersão', criticou, em alta voz, para uma platéia de cerca de 30 universitários, o jovem Fábio Felix, coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Brasília (UnB). A crítica do estudante candango repousa, em parte, no que vê: nem todos os participantes do evento estão nos territórios para reunir, discutir, aprovar ou reprovar demandas voltadas para a construção do tão sonhado mundo novo.
Os territórios das universidades federais do Pará (UFPA) e Rural da Amazônia (UFRA) servem de chão para muitos participantes que vivem completamente indiferentes ao que acontece nas tendas e outros palcos de discussão das propostas. São tantos que não se pode dizer se são minoria ou maioria. Estão por toda parte, no vai-e-vem dos corredores asfaltados, sequer se importando com o propósito do FSM. Na UFRA, as cenas que reforçam o abismo são mais frequentes.
COMÉRCIO
Nas universidades, acontece de tudo — ou quase tudo. Dentro das tendas, nem sempre com seus assentos todos ocupados, vê-se gente valorizando o evento, fazendo valer o propósito do encontro, expondo e debatendo a pauta programada. Fora delas, no entanto, o cenário é degradante: trabalho infantil, consumo de drogas, comércio informal desorganizado e comercialização de produções piratas, como CDs e DVDs, aqueles mesmos que a Polícia combate fora desses territórios.
Na manhã de ontem, por exemplo, por volta das 10 horas, no território da UFRA, a reportagem acompanhou parte dos passos de um grupo de cinco estudantes que, mais tarde, descobriu-se, veio de Feira de Santana, na Bahia. Nesse horário, o grupo tomava o café da manhã numa barraca. Tapioquinha, pão, café, cigarro de maconha e o 'Loló', que é a inalação de jatos de um spray sobre uma flaneja, faziam parte do cardápio. Tudo a céu aberto, em meio à multidão, sem qualquer discrição. Terminaram e caminharam. Tomaram rumo contrário a todas as tendas de discussão.
DROGAS
Na perspectiva dos valores que abraçam, nada de errado no comportamento do grupo nordestino se, pertinho da barraca do café da manhã, não estivesse acontecendo um encontro de estudantes, cuja postura estava afinadíssima com o propósito do evento. Eram em torno de 30. Muita tenda para pouca gente. A quantidade, pelo que se via e ouvia, era superada pela qualidade. Foi lá que a reportagem entrevistou Fábio Felix.
O estudante da UnB esbravejava exatamente contra os 'dois' FSMs que acontecem em Belém: o dos que valorizam a proposta e dos que, mesmo presente nos territórios, estão para outros fins. Felix, como quem fala de cima de um trio-elétrico disparava críticas à organização do evento. 'Não tenhamos dúvidas de que este fórum, financiado pelo governo, foi preparado exatamente para esse fim: dispersar. Ele (governo) preparou uma programação e montou uma infraestrutura nitidamente para provocar dispersão, desinteresse e, assim, evitar críticas, críticas contra o governo Lula e contra o governo Ana Júlia', disparou o rapaz, recebendo demorados aplausos.
Nem Eduardo Freitas, da organização da Associação Secreta dos Maconheiros Assumidos, concordava com o que via. 'Nossa orientação não reprime o consumo da maconha, mas pede discrição, orientando o consumidor a não se expor, fumando, por exemplo, na frente das crianças', ponderou o rapaz, discordando das cenas que lhe eram apontadas.
Uso de entorpecentes como a maconha foi frequente durante a semana
Se fumar maconha na frente de crianças é desaconselhável, muito mais é submeter essas mesmas crianças ao trabalho. Trabalho infantil, aliás, conforme soam as vozes das tendas, é crime. Mas, enquanto o combate está reservado para outras circunstâncias, nos territórios do Fórum Social Mundial (FSM) 2009 é comum ver crianças trabalhando. 'É R$ 1, R$ 1. Água mineral geladinha. Só R$ 1', gritava João Paulo dos Santos, 12 anos, na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), na manhã de ontem.
Morador da Terra Firme, disse que estava ajudando o pai, que estava perto do filho, com outra venda. E perto deles, o comércio de CDs e DVDs piratas. Outra cena de ilegalidade. Indagado se havia orientação para reprimir o consumo de drogas, o bombeiro militar Pessoa não quis responder. Limitou-se a dizer que só o oficialato da corporação poderia conceder entrevista. Ele, oficial, e mais quatro colegas estavam de prontidão perto de uma barraca onde a fumaceira da erva tragada lhes chegava no rosto.
COELHOS
'Isso era previsto', avaliou Trajano de Jesus, chefe de Segurança da UFRA. Trajano, que conta com um efetivo de 38 homens desarmados, diz que a única preocupação de sua tropa é defender o patrimônio. Nesse sentido, tudo em ordem, à exceção do sumiço de quatro coelhos, que foram parar numa panela de um acampamento. 'Nesses dias, quem manda são eles. Deixamos de ser UFRA para sermos o território do Fórum', contemporiza.
Outras preocupações, afirma Trajano, existem. E dizem respeito ao comportamento de grupos de participantes. Na última quinta-feira, por exemplo, ele saiu de casa para o trabalho às 6 horas e retornou à meia-noite. À 1 hora da madrugada o telefone tocou. Foi chamado para resolver um problema de um som que tocava em alto volume, numa tenda de acampamento.

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