quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Crise e Fanfarronices

"O BRASIL NÃO SENTIRÁ A CRISE"
(Dr Lula da Silva, "o economista")
por Jarbas Passarinho
A sucessão periódica de crises da economia mundial faz renascer o debate ideológico e dá lugar às previsões contrastantes entre masoquistas e otimistas exacerbados dados às bazófias. A crítica fundamental de Marx, ao capitalismo, previa seu colapso, porque trazia no seu imo contradições que proviriam das leis irredutíveis do desenvolvimento econômico. Freariam, com o tempo, as forças produtivas, sem as quais seria impossível expandir a economia. Excelente analista do capitalismo liberal, não imaginou que o capitalismo evoluiria, criando os bancos centrais, os multilaterais, os fundos de pensão, o FMI e as sociedades anônimas. Errou na profecia, a mais ingrata das profissões. Bobbio, citando outro escritor, advertiu: “A arte do profeta é perigosa e é melhor ficar longe dela”. Machado de Assis ironizou o que teve origem nas Sibilas de Cumas, num de seus apreciados contos, A cartomante, de final inesperado e trágico.
Nosso presidente, se os leu, discrepou, cedendo à profecia que tem sido desmentida com freqüência e produzido fanfarrões. Quando a crise se instalou nos Estados Unidos, ele aproveitou para fustigar Bush, recomendando tratar melhor do seu país. Que imitasse o Brasil, cuja situação econômica o torna inatingível à crise americana. O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz discordou da bravata. Ensinou que “a economia mundial é interdependente, os mercados são voláteis e em um mundo onde cada um tem suas obrigações, ninguém está a salvo”. Lula, todavia, aborrece o realismo e insistiu, conquanto menos eufórico, que “a crise não atravessaria o Atlântico”. Não deve ter sido o mesmo pensamento o do Meirelles, presidente do Banco Central, ao recomendar cautela quanto ao otimismo. De fato, a crise atravessou o Atlântico e instalou-se na Europa. A mídia afirmava que o Brasil fora afetado pelo menos de duas maneiras: a perda das linhas de crédito, das empresas exportadoras nacionais, no mercado externo, e a necessidade de o Banco Central leiloar bilhões de dólares, das reservas, com dois objetivos. Um, a compensação da falta de crédito externo das exportadoras. Outro, tentar impedir o crescimento da cotação do dólar e assim evitar vultoso déficit na balança comercial.
Ademais, duas empresas de grande porte, a Sadia e a Aracruz, que apostaram na continuação da queda da cotação do dólar no mercado futuro, perderam cada uma delas mais de US$ 700 milhões. O presidente já não podia esconder na peneira do otimismo o sol da verdade. O Brasil já estava afetado pela crise, mas debitou o prejuízo das empresas citadas “à ganância e ao risco de jogada de cassino”. Os bancos menores cessavam de contratar crédito consignado aos ativos e aposentados servidores públicos por falta de recursos para esse fim. Bancos tradicionais da América continuavam a quebrar e a levar o pânico ao mercado asiático, sobretudo em Hong Kong. Contrariando a expectativa de Lula, não só a crise atravessara o Atlântico, chegando à Europa, como atingira o Pacífico e o Mar da China.
O presidente passou então ao que lhe é mais familiar e costumeiro, com grande repercussão popular. Atacou os Estados Unidos, preferentemente na figura do presidente Bush e sua política econômica. Eles fazem a burrice lá e nós temos de pagar por isso, disse em outras palavras, com o mesmo sentido crítico. Quando, porém, a economia americana ia bem, nos seis anos que governa, beneficiou a nossa política econômica. Aproveitou-se para fazer crescer as reservas, tão úteis no nível que têm hoje, e no socorro que tem proporcionado à agricultura, aos bancos e a todos que a falta das linhas externas de financiamento tem prejudicado.
Então, tudo lhe parecia perfeito, e apreciei ler o que dissera a uma revista semanal de grande tiragem: “Basta de atribuir aos países desenvolvidos a culpa pela pobreza dos subdesenvolvidos”. Do mesmo modo, a resposta que deu, em 2006, ao Le Monde em Paris: “Antiamericanismo e revolução são termos arcaicos”. Ao lado disso, a bazófia: “Nos próximos dois anos, o Brasil vai produzir a maior parte do gás que consumimos”. Quase todo ele vem da Bolívia, custando mais caro para atender ao ultimato do “irmão pobre, Evo Morales”. A generosidade tem, porém, um lado comprometedor. Se o reajuste foi justo, prova que os antecessores de Lula praticavam a essência do imperialismo, ao explorar o mais fraco.
Quanto à crise da economia mundial, já não haverá dúvida de que o Brasil, a despeito da sua economia bem conduzida, já vem pagando sua parte nos efeitos indesejáveis. A agricultura, no prazo limite para o plantio da próxima colheita, tem que receber reforço expressivo de investimentos brasileiros, ou a escassez de produção causará inevitável inflação. Os bancos maiores compram as carteiras de crédito dos menores em dificuldade, graças aos bilhões de dólares que o Banco Central liberou, parte do que é retido como compulsório dos grandes, mas aumenta os juros. As ações na bolsa caem dia a dia, porque os correntistas estrangeiros vendem suas ações. O presidente, afinal, se dá conta de que o Brasil não corresponde à bazófia de ser inatingível. Beneficiamo-nos dos bons tempos da economia saudável dos americanos. Agora, já sofremos pela incompetência do companheiro Bush ou se trata de um dos ciclos fatalistas de Marx? Resta um consolo: o Brasil estacionou no ranking da corrupção. Permanece no 72º lugar no mundo, o mesmo de 2007.
Fonte: Correio Braziliense - Quarta-feira, 08 outubro 2008

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