domingo, 7 de setembro de 2008

O Grampo Que Abafou o Grito do Ipiranga

por Vania Leal Cintra
Essa conversa de grampos metidos entre nossos Poderes não é de hoje e está ficando um bocado comprida. Mas o que tenho a dizer é bem curto. Não é bem este o meu estilo, que é um estilão “aula-chata”, quatro ou cinco páginas de texto...; mas, hoje, assim será — rápido e rasteiro. Ou mais ou menos. É que:
1. ontem perguntei ao menino da 4ª série quais atividades a sua Escola, que é uma Escola pública, indicou para a semana. E ele me disse que nenhuma em especial. Perguntei-lhe, então, se sabia qual momento da História brasileira se comemora (ou se deveria comemorar) no próximo domingo. Ele me disse que não sabia. Expliquei-lhe rapidamente — ou tentei lhe explicar, uma vez que para explicar um Sete de Setembro, que não é uma data qualquer, algumas outras referências várias e muito “complexas” se fazem necessárias — e ele, educado como é, concordou com tudo. Talvez guarde o que lhe disse, nos ouvidos, nos miolos e no coração. Talvez não. Perguntei-lhe, de quebra, adivinhando-lhe a resposta, se a Escola lhe havia pedido durante o último mês algum trabalho sobre os índios. O menino sorriu e balançou a cabeça afirmativamente. Estudioso e caprichoso como é, seu trabalho foi considerado “Excelente!”. E eu... Bem, eu me calei;
2. garimpando entre jornais, revistas, resenhas e boletins corporativos, grupos de discussão etc., referência festiva ao Dia da Independência apenas encontrei uma única, intitulada “Brazilian Day em Nova York reúne mais de 1 milhão de pessoas” — que diz de artistas brasileiros, que foram dar um passeio, e da comunidade de exportados e exilados por motivos pecuniários. É possível que eu não tenha tido muita sorte ou tenha desistido depois de pouco esforço. Mas a verdade é que a brisa que a Bandeira do Brasil beija e balança nenhum hino, nenhuma fanfarra, nenhum brado retumbante já me traz;
3. e, ora, vejam só: a discussão sobre o destino das terras de Roraima começava a pegar fogo bem no meio daquela que sempre foi a “Semana da Pátria”... e nos pregam um grampo bem pregado. E, por causa do grampo, ou a pretexto do grampo, um General do Exército de nosso Governo nos recomenda boca fechada;
4. enquanto isso, a notícia de que as FFAA são designadas para policiar o boca-a-boca das eleições em outubro — e não no meio do mato, mas em pleno meu Rio de Janeiro cercado de todos os lados por nuvens de pó e os fuzis das milícias — mais ainda me atrapalha a digestão.
Agora me pergunto, a mim mesma, com imensa vontade de perguntar a vocês todos — pois talvez alguém tenha as respostas que eu, de verdade, não tenho:
1. as fardas estarão preservando os direitos-cidadãos, ou sua presença significa um recurso extremo utilizado para que se garantam eleições viciadas, em que a disputa se dá, sem alternativa, entre partidos ou candidatos que apresentam as propostas alienadas de sempre, que desde sempre alienam os cidadãos, tal como ocorre em qualquer país insignificante mal governado ou desgovernado?
2. por que estamos nós, brasileiros de fato, fincados no Brasil, todos nós há tanto tempo de boca fechada, que de tão fechada mais parece ter sido algum dia por alguém muito bem grampeada?
3. há quanto tempo, tempo precioso, absolutamente perdido, os homens e as mulheres do Exército de Caxias e das duas outras Armas não poderiam ou deveriam estar sendo convocados a, pelo menos durante a Semana da Pátria, esclarecer nossas crianças, em nossas Escolas, sobre o significado da Independência Nacional? Não o são porque os Comandos consideram que o serviço que prestam à Nação é árduo e já é suficiente? E, mesmo que não formalmente convocados, por que Oficiais da Reserva não se oferecem, amparando a missão do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, valendo-se de seu conhecimento e experiências e desses programinhas de voluntariado do tipo “Faça Parte”, “Amigos da Escola” ou sei lá mais quê, para despertar ou estimular o sentimento nacional na meninada — e até mesmo na professorinha, que não sabe, não pôde e não tem como saber o que é que “Brasil” exatamente significa, e muito menos conhece ou compreende quais possam ser seus reais valores?
Porque se sentiriam hostilizados? Porque seu tempo de serviço à Pátria terminou? Porque dar uma aula numa Escola básica ou secundária, mesmo que em uma única semana no ano, não seria tarefa considerada tão digna e tão nobre? Porque nada teriam a dizer? Ou, ao contrário, teriam muito? Por que, então, mantêm-se calados e inertes, sugerindo-nos, mesmo que tacitamente, que também nos aquietemos e fechemos a boca, para que nela não entrem moscas, ou que apenas cochichemos entre nós, em segredo e como que envergonhados, as razões que foram aquelas a que dedicam ou dedicaram suas vidas?
4. e o tal do grampo? Afinal, que faz esse grampo no Supremo? Ele nada ouve que já não tenhamos ouvido, de um jeito ou de outro. O grampo preocupa mesmo alguém? Se preocupa, essa preocupação se deve a quê? E a que serve exatamente? Ou a quem serve? Serve, por acaso, a que tentemos, nós aqui, resolver intrigas palacianas ou a que consigamos manter autoridades consciente e permanentemente voltadas a questões que nos são estruturalmente vitais e às decisões que exigem absoluto discernimento entre o bem e o mal nacionais?
Não. Essa preocupação apenas desvia a nossa atenção para as eternas e fúteis futricas de comadres fantasiadas de gente importante, que permitem a venda de fotos coloridas postas em noticiários ditos democráticos — enquanto interrompe, sem qualquer cerimônia, a discussão sobre o comércio do território nacional, e de setores considerados estratégicos porque assim o são, no atacado e no varejo; enquanto todas as vozes que pronunciam as palavras Pátria e Soberania, e ousam atrapalhar, nos últimos tempos, certas vidas tão “merecidamente” tranqüilas, são sorrateiramente varridas e recolhidas a um saco feito de material opaco e resistente, que é bem fechado, porque sem oxigênio nenhuma combustão se faz, e bem grampeado, para que nada dele exale.
Algum tempo atrás, em certo ano, e, por decorrência, nos anos imediatamente subseqüentes, umas explosões em Nova Iorque foram capazes de obscurecer o brilho de nossos Setembros, quase eliminando-os de nosso calendário. Nossos Setembros puderam ser, então, por muitos, considerados irrelevantes.
Hoje... caramba, que grampinho mais providencial, esse, não? E nossa gente estará mesmo preocupada com ele? A troco de quê? Ou apenas está aborrecida com a falta do que mais fazer, porque o Dia da Independência caiu num domingo e não foi possível aproveitar um feriado prolongado bem longe de todos os nossos — e só nossos — tumultos e perturbações?
Vania Leal Cintra é Socióloga.
Fonte: Alerta Total

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