quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Gramsci e as Palavras-Senha

por Heitor De Paola
"Uma das maiores alegrias de um comunista é ver na boca dos burgueses, nossos adversários, as nossas palavras de ordem”.
(GIOCONDO DIASEx-Secretário Geral do PCB)
Volto a citar esta frase lapidar do továrishch Giocondo para abordar um assunto que confunde a mente de muitas pessoas bem intencionadas a respeito dos termos que devem ser usados para definir alguns conceitos. Não uso o adjetivo apenas no sentido frouxo de frase artisticamente perfeita, mas sim no mais restrito de inscrição em lápide, pois ela pode ser um dos epitáfios da ordem e da linguagem “burguesas”. Como exemplo inicial a palavra ética: o seu significado original hoje está tão deturpado que é sempre melhor evitá-la. Como ocorreu esta deturpação? Para isto é necessário algum conhecimento sobre a estrutura e hierarquia de um partido revolucionário e um pouco de história.
HISTÓRIA DAS PALAVRAS-SENHA NO BRASIL
O estudo intensivo da obra de Gramsci se deu na URSS a partir do XX Congresso do PCUS (1956) (ver op. cit.), mudando completamente os rumos da revolução mundial no sentido de uma revolução dos intelectuais. As condições para o estudo intensivo no Brasil se deram a partir do movimento contra-revolucionário de 1964. A clandestinidade e a momentânea supressão das atividades externas foram impostas pela Polícia e pelas Forças Armadas. Os Comitês Centrais e regionais das diversas organizações revolucionárias mergulharam fundo e, enquanto na superfície ocorria a derrota político-militar e econômica da revolução, na clandestinidade aprofundava-se a revolução cultural, levando ao quadro que temos hoje: embora derrotados, são vitoriosos porque as forças da lei, o aparelho hegemônico da burguesia, contentou-se com aquela vitória de Pirro e nem percebeu que lentamente modificava-se o senso comum da sociedade e organizavam-se os grupos sociais que viriam formar a sociedade civil organizada. (Todos os termos em itálico correspondem a categorias de Gramsci).
Embora não fosse esta a sua principal função estas palavras serviam como uma espécie de senha de reconhecimento mútuo, pois aquelas que elas vieram substituir não podiam ser pronunciadas ou escritas. Funcionavam como sinais, imitação das sociedades secretas como a maçonaria e nada tinham a ver com as noções “burguesas”. Lá pela década de 80 a palavra ética tomou força — movimento pela ética substituiu movimento comunista. Seguiu-se cidadania que tomou impulso com o movimento pelas diretas e a luta pela anistia levadas a cabo pelos “autênticos” (outra senha, esta genuinamente nacional) do MDB, culminando na proclamação pelo companheiro de viagem Ulisses Guimarães, da “Constituição Cidadã” que “resgatava o exercício pleno da cidadania e da ética na política”. Logo após a redemocratização o governo se viu abalroado pelos aparelhos privados de hegemonia, as organizações não governamentais (ONGs), que somando-se a este constituíram o Estado Ampliado. Cada vez mais vemos estes aparelhos privados assumindo diversas funções do governo. Desde 1994, com a plena concordância, aval e apoio financeiro do mesmo.
É fundamental que os liberais e conservadores tomem conhecimento do verdadeiro significado revolucionário que estes termos adquiriram e abstenham-se de usá-los para não se deixarem confundir. Um pequeno glossário é fundamental. Como não há espaço aqui cito apenas algumas mais usuais. (Não usarei a ordem alfabética para facilitar a compreensão).
Ética — é ética toda e qualquer ação que promova o aprofundamento da revolução. É a expressão do princípio de que “os fins justificam os meios”, em oposição total ao conceito “burguês” tradicional.
Liberdade — é a expressão da conformidade do cidadão com a coletividade. Não tem nada a ver com liberdade individual.
Democracia — não corresponde ao governo da maioria, mas ao da unanimidade baseada no consenso e hegemonia do partido-classe.
Consenso — conformação coletiva do grupo social com as ações do Estado ampliado, necessário para alcançar os fins éticos.
Hegemonia — capacidade de influência e de direção política e cultural que um grupo social exerce sobre a sociedade civil organizada e esta sobre a sociedade política. Predominância efetiva do partido-classe sobre ambas para impulsionar e fazer avançar o processo revolucionário.
Sociedade Civil Organizada — espaço onde atuam os aparelhos privados de hegemonia.
Aparelhos Privados de Hegemonia — as ONG’s, principalmente.
Estado Ampliado — os órgãos governamentais e as ONG’s. Também pode ser chamado de Estado Democrático de Direito por estar em constante mutação (ver meu artigo anterior).
Cidadania — “espaço” coletivo onde atua a sociedade civil organizada; o exercício da cidadania nada tem a ver com a atuação dos indivíduos livres, mas com este “espaço” criado pela ampliação do Estado e que obedece rigorosamente ao consenso prévio. É a submissão do cidadão ao consenso coletivo.
NOTA:
[*] Para mais detalhes ver meu “O Eixo do Mal Latino-Americano e a Nova Ordem Mundial”, Capítulo II, 3, É Realizações, SP, 2008

O autor é escritor e comentarista político, membro da International Psychoanalytical Association e ex-Clinical Consultant, Boyer House Foundation, Berkeley, Califórnia, Membro do Board of Directors da Drug Watch International, e Diretor Cultural do Farol da Democracia Representativa (www.faroldademocracia.org). Possui trabalhos nas áreas de psicanálise e comentários políticos publicados no Brasil e exterior. E é ex-militante da organização comunista clandestina, Ação Popular (AP). É autor do livro "O Eixo do Mal Latino-Americano e a Nova Ordem Mundial".
Site: www.heitordepaola.com.
Leia o texto completo em Mídia sem Máscara

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